quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

CS Lewis, oração, temporalidade



Durante a Segunda Guerra Mundial, C.S. Lewis, um espetacular escritor inglês, participava de um programa na rádio BBC no qual ele dava alguns conselhos sobre como se comportar durante a Guerra e sugeria algumas reflexões sobre temas bastante importantes. Abaixo, tem-se uma reflexão sobre a oração e a bondade das pessoas. Leia e reflita:


“Nessa conversas, eu tive que falar bastante sobre oração e antes de entrar no meu assunto principal nessa noite, eu gostaria de lidar com a dificuldade que certas pessoas encontram com toda ideia de oração. Alguém chegou até mim, dizendo: ‘ Eu posso acreditar em Deus, mas o que eu não posso engolir é esta ideia de que ele atenda a centenas, milhões de humanos que estão se dirigindo a Ele ao mesmo tempo’. E eu encontro muitas pessoas que sentem essa dificuldade. Bem, a primeira coisa a se notar é que o problema surge com as palavras: “ao mesmo tempo”. Muitos de nós  podemos imaginar Deus atendendo a vários peticionários, se somente eles viessem de um por um, e se Ele tivesse um tempo infinito para atendê-los. Então o que está realmente por trás da dificuldade é esta ideia de Deus ter de consertar muitas coisas em um único momento. É isso, evidentemente , que acontece conosco. Nossa vida nos vem momento a momento. Um momento desaparece antes que outro chegue e ,em cada um deles, cabe pouquíssima coisa. É assim que funciona o tempo.E é claro que você e eu temos como certo que essa série temporal , esse arranjamento entre passado, presente e futuro não é apenas o modo que a vida vem a nós, mas o modo como todas as coisas existem. Nós tendemos a assumir que todo o universo e até o próprio Deus estão sempre mudando do passado ao futuro, como nós fazemos. Muitos homens estudados não concordam com isso. Eu penso que foram os teólogos que primeiro começaram a ideia de que algumas coisas não estão submetidas ao tempo. Mais tarde, os filósofos assumiram essa ideia e agora alguns cientistas estão fazendo o mesmo. Quase certamente, Deus não está no tempo. Sua vida não consiste em momentos seguidos por outros momentos. Se um milhão de pessoas oram para Ele às dez e meia da noite, Ele não precisa ouvi-las todas no pequeno instante que chamamos de  dez e meia. Dez e meia, ou qualquer outro momento desde a criação ao fim do mundo, é sempre o presente para Deus. Para dizê-lo de outra maneira, Deus tem toda a eternidade para ouvir a brevíssima oração de um piloto cujo avião está prestes a cair em chamas. Isso é difícil, eu sei. Vou tentar dar outro exemplo, não sobre a mesma coisa, mas de algo um pouco parecido. Suponha que eu esteja escrevendo um romance. Eu escrevo: “ Mary fechou o livro. No momento seguinte veio uma batida da porta”. Para Mary, que vive no tempo imaginário da minha história, não há intervalo entre fechar o livro e ouvir a batida da porta. Mas eu, o criador dela, entre escrever a primeira sentença e a segunda, posso ter saído por horas para uma caminhada e ficar um certo tempo pensando sobre a Mary. Eu sei que esse não é um exemplo perfeito, mas ele talvez dê uma noção do que eu quero dizer. O ponto em que eu quero chegar é que Deus tem uma atenção infinita, medida infinita reservada para cada um de nós. Ele não tem que nos tratar como a uma massa. Você está sozinho na companhia d’Ele, como se fosse o único ser que ele tivesse criado. Quando Cristo morreu, Ele morreu por você, individualmente, como se você fosse o único ser da Terra. Agora vou voltar ao meu objetivo principal. Eu estava mostrando da última vez que a vida cristã é simplesmente um processo de ter o seu caráter natural transformado em um caráter de Cristo e que este é um processo contínuo por dentro. Os desejos mais privados e pontos de vista de alguém são as coisas que tem que ser mudadas. É por isso que incrédulos reclamam que o Cristianismo é uma religião muito egoísta. “Não é muito egoísta, é até mesmo mórbida”, eles dizem. “Estar sempre pensando apenas no seu próprio umbigo, ao invés de pensar na humanidade”. Agora, o que um sargento diria a um soldado que tinha um rifle sujo e mandaram limpá-lo, respondeu: “ Mas Sargento, não é muito egoísta, até mesmo mórbido, estar sempre limpando o interior de seu próprio rifle, ao invés de pensar nas Nações Unidas?” Bem, não precisamos nos preocupar com o que o Sargento diria na verdade. Você entende?  O homem não será muito útil para as Nações Unidas se o seu rifle não estiver pronto para atirar. Da mesma maneira as pessoas que ainda estão agindo pelos seus antigos caráteres naturais não farão bem real e permanente para outras pessoas. Deixe-me explicar isso. A história não é apenas a história de pessoas más fazendo coisas ruins. É na maior parte uma história de boas pessoas tentando fazer coisas boas. Mas de alguma maneira deu errado. Veja a expressão “Frio como caridade”. Como assim dizemos isso? Da experiência. Nós aprendemos o quão antipáticas , autoritárias, conceituadas, pessoas caridosas frequentemente são. E ainda, centenas e milhares delas começaram realmente ansiosas para fazer o bem. E      quando elas fizeram isso, não foi tão bom quanto deveria ter sido. A velha história: “ O que você é, resulta do que você faz”. Enquanto o caráter antigo estiver lá, sua mancha estará sobre tudo o que fizermos. Nós tentamos ser religiosos e nos tornamos fariseus. Tentamos ser agradáveis e nos tornamos autoritários. Serviço social termina em formalidade burocrática. Altruísmo  se torna uma forma de se exibir. É claro que eu não quero dizer que nós devemos parar de progredir e tentar ser o melhor que podemos. Se o alimento do soldado é o bastante para entrar na batalha com um rifle sujo, ele não deve fugir. Mas eu quero dizer que a cura real é a mais profunda. Fora de nós mesmos, mas em Cristo, nós devemos ir. A mudança não acontecerá de repente para a maioria de nós e eu devo admitir que para a maioria dos cristãos será apenas o começo até o fim de nossas vidas presentes. Mas há alguns que vão mais adiante até mesmo antes destes longe o bastante para que se possa ver isto. Seus rostos e vozes são diferentes. Quando você se encontra com eles, você sabe que está competindo com algo que, de certa forma, começa onde você pára. Algo mais forte, mais calmo, mais feliz, mais vivo que a humanidade comum”.


Clive Staples Lewis

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